27.11.08

HÓSTIA ZERO
O calendário sempre teve suas peculiaridades, mesmo antes do romano, que a cada quatro anos adiciona um dia "pra tudo dar certo" (ainda prefiro o dia do curinga).
Fato é que o Vaticano lançou um calendário. Não é nenhum Pirelli, mas certamente gera comentários.
Os modelos? Padres. Padres feios? Não. Padres que se não os fossem, trariam sérios problemas de cocorrência para nós, homens.
Isso é ridículo. Do começo ao fim. Será que é dinheiro? Será que há poucas devotas? Ou devotos, se levarmos em conta os jornais...
Eu sempre critiquei a igreja (não me venham com maiúsculas), mas por motivos conceituais, filosóficos e assim por diante. Para um ateu, nunca foi tão fácil desconstituir a relevância fantasiosa daquela intituição. Qual o próximo passo? Freiras? Será que em 2009 a reza passará de mãos abertas, para mãos fechadas e reclusas, por baixo das batinas e dos hábitos...
Pelo visto, a hóstia não é mais a normal. É hóstia zero.

24.11.08

SOBRE AS MÃOS
E uma alusão específica ao seus poderes.
Verdade que existe uma certa noção vinculada ao que fazem as mãos, acompanhadas inevitavelmente dos dedos que sempre as abraçam.
Pouco que existe na fala será mais do que podem dizer as mãos. Raras são as vezes em que verbos e suas companhias superam a capacidade que têm as mãos de se fazer entender.
O diálogo entre dedos, em verdade, é melhor compreendido do que são os diálogos entre linhas... Muita diversão - e não digo no sentido divertido - há num mundo entretido de palavras.
Tanto é que, palavras, para cumprirem o efeito da ofensa, precisam de quem se sinta ofendido; para cumprirem o efeito do amor, precisam de quem se sinta amado.
As mãos, de um modo bastante oposto, não deixam dúvidas quaisquer.
Firmes são para benevolêcia; delicadas para o amor; distantes para os limites e dolorosas para a dor, ainda que para a dor que prese pelo próprio amor.

18.11.08

SOBRE UM CERTO NÍVEL
Levar a música "para outro nível" significa transcender. E transcender, em certo aspecto, significa partir de determinado conjunto de premissas, para que, ao final, obtenha-se um resultado que contemple, basicamente, o harmônico, o melódico, o lírico e o intelectual.
Em lugar de discorrer sobre o que tudo isso significa, parto do processo de negativação, na tentativa de viabilizar o vislumbramento quase imediato de uma música incompleta.
Contemplar o harmônico é não mudar só para ser diferente; contemplar o melódico é não abusar das notas; contemplar o lírico é não esquecer da literatura; e contemplar o intelectual é não esquecer de um assunto absolutamente relevante, seja filosoficamente ou cientificamente.
Porém, na prática, diferença há entre oferecer uma música "em outro nível" e receber uma música naquele nível.
Pois que, em geral, ecléticos são aqueles que tomam por "boas", ou "ótimas", ou "fantásticas", composições e produções musicais que não necessariamente se encontram em outro nível, mas que agem diretamente em determinado patamar químico contra o qual não se pode lutar, a não ser que o receptor esteja em outro nível cultural.
Daí a segregação cultural. Daí decorrem as "tribos", por assim dizer. É impossível querer que uma inteira sociedade viva sempre no mesmo nível cultural, pois que da própria evolução decorre um determinado distanciamento cultural. Ocorre que, na sociedade capitalista e globalizada, existe a banalização da cultura; o "outro nível" só existe na cabeça do que está à frente; a variação é indeterminável, para não falar da distância.
Levar a música para outro nível, então, deverá ser, em nossa realidade, uma dupla de linhas paralelas: uma delas reside na cabeça daquele que acredita levá-la adiante; a outra, na esperança de ser acompanhado.
A minha esperança, além de querer levar a música para outro nível, é de não ter essa teoria considerada pessimista. Eu confio no compositor; porém, ele está precisando acordar... na minha cabeça.

13.11.08

O SUPERLATIVO DA VONTADE
Sinta-se em casa.
Nada melhor para definir a autonomia da vontade. É muito fácil classificar patologias suicidas. É sempre aparentemente nítido quando alguém decide contra a aparência do natural. Porém, difícil em verdade é argumentar sobre o desafio à lógica existente na dialética que reside entre a vida e a morte.
É evidente e incontestável que: para haver nascido morto é preciso ter vivido em algum momento. Daí voltar às raízes da Lei civil e certificar que é correto resguardar os direitos do nascituro.
Porém, o desejo de viver ou de morrer não é tão simples de se analisar. A vida e a morte passam como simplificações aritiméticas, quando comparadas ao fato de que a verdadeira indefinição que há na existência, ou seja, na vida e na morte, reside na forma, no método; em outras palavras, reside em como se manifesta a vontade de viver ou morrer.
Não há como exigir de alguém que vive pelos seus vinte e poucos anos uma mera hipótese sobre como seria a melhor maneira de morrer, sendo que, em primeiro lugar, ainda nem houve vida intelectual o bastante para tanto, e em segundo lugar, não se obteve o mínimo de informação que bastasse, ainda que remotamente, para analisar de modo conclusivo sobre o conforto de um leito de morte.
Em verdade, não é evidente que o acidente trágico seja um péssimo leito de morte; evidente é que não seja um bom leito para um jovem, pois que não consegue dizer ao certo qual seria a melhor forma de deixar de existir.
O paradoxo que se forma na dialética é aquele que se deforma na assertiva que reza que - citando anônimos - "se os idosos pudessem e os jovens soubessem..."
Isso deveria significar que, mesmo para saber ao certo como se quer morrer, preciso é viver um tanto de sofrimento e prazer. Daí classificar as mortes precoces de acidentes, ou, quando meramente diagnosticadas, de patologias.
Entretanto, depois de certa idade, mais certo e aceitável é ouvir de certa pessoa que ela gostaria de ir dentro de um modo particular, pois que respeitável é a decisão de quem viveu o bastante para saber que quer morrer de certo modo.
O ateu que vos fala também cita J. Cristo: "Os mortos que enterrem seus mortos."
O ateu que vos fala diz em próprias palavras: respeitem a vida; respeitem a morte.
Nascer não está em nossas mãos, mas morrer está;
Livre foi quem morreu como bem quis.