INVENTÁRIO
Recebi uma herança. 100 milhões de Euros. Com tudo isso, não preciso de trabalhar. Posso estudar para sempre. Posso ajudar os amigos. Posso organizar eventos em benefício de todos que precisam de alguma coisa. Posso fazer um voto de humildade e não demonstrar riqueza. Porque é muita falda de respeito, nesse país, mostrar-se rico. A riqueza da aristocracia não faz bem para as relações sociais.
Poderia doar, sem prejuízo, 90% desse valor e continuar com tudo o que mencionei. Poderia, ainda assim, comprar uma casinha modesta na Vila Madalena e andar com os pés, não com gasolina. Nessa casa, bastaria uma mesa, uma estante com livros, uma cama, um banheiro e uma geladeira. A geladeira, sempre abastecida para receber os amigos; as caravanas filosóficas...
Compraria todo o espaço publicitário da Globo, só pra dizer que a Globo não presta. Construiria um cinema e passaria filmes essencialmente não hollywoodianos. Pagaria o jabá de todas as rádios e colocaria música de respeito.
Faria tudo para o bem.
Porém, fiz diferente. Recusei a herança. Recusei 100 milhões de Euros. Preferi não fazer o bem. Preferi ficar na ignorância e deixar o povo se virar. Preferi achar que sou mais importante; que essa herança é pouca, comparando-a com a minha infinita grandeza...
Estranho, não acha? Que alguém seja capaz de pensar assim... Muito estranho.
Então, por que recusamos a herança que nos foi deixada? Por que recusamos Vinícius de Moraes, Tom Jobim, Cartola, Candeia, Paulinho Nogueira, Baden, Villa e tantos outros?
Por que recusamos o que poderíamos usar para o bem?
Acordem, todos... Estamos perdendo para a ignorância.