A MORTE DA NATURALIDADE E O PERIGO DE EXTINÇÃO DA BUSCA PELA ARTE ETERNA
Não há o que me perturbe mais do que padrões. Perco a compostura que meu pai tanto lutou para me passar quando o resultado aceitável é baseado em algum padrão. Como você se veste? O cinto combina com o sapato? Qual a cor de suas meias? E o nó da gravata?
Vou passar a usar a gravata como cinto, isso sim. E sinto muito se alguém reclamar. Pode pôr no jornal que o Paulo não anda bem da cabeça; que está com um parafuso solto, ou dois, ou três a menos... Sobram parafusos nas lojas de material de construção e, bem a propósito, a preço muito mais justo do que o dos cintos e gravatas.
Porque hoje é mais ou menos assim, ou não é? O que ele disse? Como se vestia? Barba feita ou por fazer? Para mim, tudo isso é resultado de um péssimo uso que se faz do espelho. O espelho deveria ser confronto, desafio, crítica e elogio ao que se é e não ao que se parece ou pretende ser.
A perda da naturalidade é tão nítida que me tira o sono. E sem o sono me perco na lógica da insônia, essencialmente subversiva, mas que se pode entender quando o sol surge imponente. A aurora deveria ser a gênese do futuro, mas as algemas dos problemas de anteontem são cruéis.
Verdade, amigos, é que palavras estão mortas. O sentido de um termo é sempre determinado pela compreensão daquele que o recebe. Lamento informar, mas o excesso de especificidade terminológica, como se pode perceber facilmente, assassinou a naturalidade.
Então, estamos definivamente no reino daquilo que é essencialmente superior. Estamos no reino dos olhos, das mãos, dos lábios... Estamos na mais pura reação ao ato fundamental da existência.
Se eu for beijado enquanto minhas mãos estiverem sobre as teclas de um piano, não terei como construir um único acorde, nem uma única nota de qualquer escala, que seja capaz de fazer fluir a relevância daquilo que nos parece ser a arte mais natural e inescapável: aquela que não se pode descrever com fidelidade; aquela que é... e nada mais além disso, pois que a plenitude está em ser e tão somente ser.
Se tudo isso for um pedido, ele é no sentido de que prestemos a maior atenção naquilo que nos dizem os olhos, as vontades mais fundamentais que nos revelam o que há de mais belo em existir.
Buscar o amor e buscar a arte devem ser exatamente a mesma coisa. E se não foi inventada uma palavra para essa coisa, melhor... bem melhor.
Está na cara que a arte está na cara. O olho que vê o universo é o olho do próprio universo.
Braços abertos! A afirmação veemente da liberdade nega qualquer limite.