26.11.07

NASCIMENTO PÓSTUMO
Conceitos interesantes que surgiram no sábado e no domingo. Um, o do título, o outro, omitido e acanhado, o do sono social - ou preguiça, para quem insiste nos olhos abertos.
Fato é que no domingo tive a tal preguiça social. Sabe como é? Pensar que os corriqueiros cumprimentos de praxe não passam de uma grande imbecilidade, principalmente quando direcionados a essas pessoas que não merecem o título de bípedes.
Então, inevitável é conceber que algo está errado e merece algum tipo de apreciação introspectiva. O que está errado com essa gente? Não sabem de samba, não falam com pobre, não dão mão pra preto, não carregam embrulho... Mas querem ser bípedes!
O que há de errado com nossos contemporâneos é que eles não possuem informação alguma sobre como foram os primeiro setenta ou oitenta anos do século passado. Ora, por que eu, deparado aqui com a discografia de Cartola, devo achar razoável ou "normal" ir para a faculdade ou qualquer outro canto esquisito e ter que sofrer os insistentes ritmos eletrônicos desprovidos de inteligência, cultura ou amor?
Mais que isso, por que é razoável que ninguém saiba quais eram as palavras da porta do inferno na Divina Comédia, de Dante, mas saibam de pronto o nome do livro da bruna surfistinha (sem maiúsculas propositalmente)?
Sabe o que eu penso? Penso em termos de época. Não é segredo algum que estou muito mais próximo do ânimo cultural dos meus pais do que qualquer outro, sem desmerecer a cultura a mim apresentada pelos meus irmãos, que também é da maior relevância, assim como eles o são.
Aí, então, o meu espelho da alma sugere o núcleo cronológico do problema: alguém, não se sabe quem, esqueceu de ser generoso comigo em termos de época (não a revista, logicamente). Nasci na década errada. Simplesmente, meu sangue meio inglês não evitou esse atraso. Atraso de uns, digamos, cinqüenta anos (antes que matem tremas e outros acentos).
Quando olho para aquelas pessoas com as quais seria lógico manter alguma relação social em razão de idade ou atividade, ponho a mão na cabeça e acelero as entradas capilares, profetas da calvice que me aguarda.
Meu pedido de socorro é o silêncio.
Alguns homens e mulheres nascem póstumos. Das duas uma: ou nasci morto, ou morri sem deixar de viver.