2.12.08


MANIFESTO DO FOMENTO À ARTE
Arte, sociologia e economia.


É nítido o resultado. Quando entregamos nosso trabalho às grandes corporações fonográficas e passamos a acreditar em alguma espécie de sucesso “dependente”, caímos nos erros elaboradamente apontados por Debord e Adorno.
A ociosidade do potencial criativo e a diminuição do entusiasmo para criação de boas músicas são o resultado. A criação do modelo (a receita do sucesso) e a semente de ilusão que as gravadoras plantam nos jovens músicos gera, pura e simplesmente, a falência da esperança de uma evolução cultural.
Hoje, somos números. Estatísticas. Tendências.
Surpreso ficará o mundo quando, numa só voz, revitalizarmos a idéia que jamais poderia ter sido esquecida: a de viver uma vida digna pela arte e pela contribuição para a evolução do intelecto e do processo criativo. Para tanto, viver se torna mais do que apenas sobreviver.
Ocorreu o que as gravadoras não pensavam ser possível: a internet. O mundo virtual mudou a compreensão daquilo que antes era o núcleo de qualquer banda: o disco. O disco deixou de ser monopólio das grandes corporações; passou a poder ser feito em casa. Daí pra frente, apenas duas interpretações são possíveis: o crime ou a liberdade.
O crime aparece num contexto extremamente burocrático, em que uma determinada lei tipifica como ato criminoso duplicar um arquivo protegido por direitos autorais. Porém, a despeito de a lógica ser basicamente correta, pois que “a César o que é de César”, o que se constata é um povo com sede de cultura e que não pode adquirir pelos meios legais sua emancipação artística, já que são salgados os preços da legalidade em matéria de direitos autorais.
A liberdade compreende o problema de outra forma, a saber, a de querer ser feliz não importa o preço. Lamentavelmente, aqui no Brasil e em maior parte dos países ao redor do globo, essa liberdade tem o preço de uma inclusão na ficha criminal. Na aula sobre absurdos, esse seria meu exemplo de escolha.
Tanto é verdade, que inúmeras bandas escolheram disponibilizar gratuitamente suas músicas, na tentativa de vencer a barreira outrora imposta pela indústria cultural, segundo a qual as artes combinam com capitalismo.
Em nome da boa filosofia, devidamente contextualizada, música não é restaurante. A idéia de que quanto melhor a produção artística, maior o preço, é o desrespeito máximo à sociedade que encontrou o fundo do poço pelo fato de não haver arte e cultura acessíveis para o povo.
Sim. O povo está morrendo e não sabe.
Aqueles que escolheram a liberdade, hoje são criminosos. Enquanto expedem mandados de prisão contra os livres, a arte morre de fome.
O que está em jogo não é o preço da arte, pois que impossível de se dizer quanto vale a música ou o quadro que alteram de tal modo o seu estado de consciência a ponto de ser possível dizer que mudou a vida para melhor. O preço que devemos discutir está no binômio veículo/sobrevivência.
O preço está em cobrir os custos e gerar um excedente mínimo para o artista sobreviver daquilo pelo que ele escolheu morrer: a arte.
Nada disso significa pagar trinta Reais por um disco; justificável, nos nossos tempos, seria pagar um Real por música, o que seria, a um só mesmo tempo, ao alcance do povo e justo para o artista.
Desse modo, possível se faz para o povo buscar sua emancipação por meio da arte, bem como possibilita que o artista não tema morrer de fome pelas próprias escolhas que fez. O que temos em pauta pode chegar ao ponto de unir a crítica ao elogio.
Há bandas que precisam de vender discos; outras nem tanto. Do modo mais pragmático possível, podemos reduzir a teoria ao comportamento prático que vem a seguir: o bom artista que está com a vida ganha, por assim dizer, não precisa de vender discos e pode tê-los copiados sem prejuízo de sua sobrevivência; esse é o músico que percebe sua remuneração em suas apresentações ao vivo, que tem público. O bom artista que ainda luta diariamente para adquirir seu pão diário, que nem sempre tem seu público formado e que, talvez, não consiga tocar o quanto baste, precisa de ajuda, no melhor sentido do termo.
Nobres leitores, a dignidade da vida do artista está na benevolência de seu público em reconhecer o trabalho incrível necessário para produzir uma obra que tenha o condão e a condição de melhorar a vida daqueles que a recebem.
Todos nós gostaríamos de ter boas coisas de graça. Infelizmente, isso não pode ocorrer sem que alguém sofra além do razoável.
É justo pagar pouco pelo que é bom.
É justo pagar o preço da peça de teatro; é justo pagar pelo quadro; pela escultura; pela música. O artista depende de receber para continuar sendo artista e buscar o sonho que está para sempre impresso em nossa vida: a de fazer um mundo melhor.
Copiem. Pirateiem. Mas não deixem de ajudar. Não deixem de reconhecer. Nós precisamos da sociedade que escolhemos servir.
O sorriso do artista, muitas vezes, vem depois do sorriso do público.

Paulo Röhe Gianini, músico.