13.3.08

OS PÉS DO POVO
O ser humano, em seu auge, é brilhante. O brasileiro, então, entusiasma poesia, teoria e prática. Com o perdão do sigilo, devo relatar e interpretar, em linhas gerais, o acontecido com certa conhecida minha que sempre me agrada com assuntos variados e ricos.
Imagine você - o leitor tolerante - uma mulher trabalhadora, como tantas que existem nesta capital, São Paulo, a selva de pedras. Ela mora na Avenida Santo Amaro e, provavelmente, sofre de poulição do ar e sonora, ainda que maior parte das necessidades diárias possa ser resolvida pelos próprios pés.
Trabalha no Shopping Eldorado - para os menos avisados, fica na Rebouças com a Marginal Pinheiros. A loja, tanto faz. Não é aqui que o leitor vai encontrar propaganda de grife, pode ter certeza.
Agora, imagina que ela, trabalhadora dos prórpio pés, sofra uma torção nesta palavrinha tão importante que está antes da última vírgula. Para quem anda pelo próprios pés e pelos ônibus, isso pode se tornar um problema.
Eis que ela, a trabalhadora, chega e me conta um desses episódios peculiares de que só o povo brasileiro verdadeiro tem notícia.
Outro dia ela torceu o pé. Não sei se o esquerdo ou direito. Porém, houve a torção. Ficou um dia sem trabalhar e como trabalha por comissão, foi um dia de balanço negativo, pode ter certeza. Isso é sério. Como ela disse, "cair no chão feito coco e ainda ter contas a pagar...". Imagine só. Ganhando por comissão.
Com o pé torcido e de trem (sorte ou azar, senhor governador?), vai à faculdade, mas parte do trajeto percorreu pelos próprios pés, mancando, naturalmente. Ocorre que, naquele dia torcido, passou no Shopping Morumbi e nele esqueceu o caderno com tudo que era necessário para aquele dia acadêmico.
Claro que só notou o esquecimento no ápice do vigor da Lei de Murph: notou na faculdade - Anhembi Morumbi - que deveria voltar àquele aglomerado de pseudo-elitistas para recuperar seu caderno. E por motivos nobres; humanos.
Havia esquecido o caderno no banheiro do shopping. Sempre mancando, perguntou à senhora da limpeza a respeito do caderno. A tal senhora - digna de todo respeito não fosse pelo fato de não se dar ao respeito - disse a ela que "se virasse para encontrar o tal do caderno".
Minha amiga, ignorando a falta de educação da funcionária do shopping, assim o fez e encontrou o procurado caderno. E seguiu pelo próprios pés, mancando de um deles, para a faculdade, sob uma chuva torrencial e injusta.
No retorno para casa, ainda mancando, tomou um ônibus; subiu ladeiras; conviveu com as amigas de apartamento que de bom humor não estavam... E assim por diante.
Talvez fosse justificável que ela se transformasse num ser de humor agressivo. Porém, não nesse caso.
Ela ainda foi capaz de chegar em casa e, na fente do espelho, abrir o belo sorriso e dizer a si e aos outros que estava tudo bem. Porque a beleza do povo está em cada esquina; em cada esforço e na capacidade de dizer honestamente, a despeito de tudo, que "está tudo bem".
A verdadeira beleza, além do sorriso, está em saber que há esperança.
Melhoras...